Estava sentada em meu quintal, refrescando o meu corpo e apreciando o anoitecer, e este momento me levou para os dias de minha infância. Quando pequena, morando na fazenda do meu avô materno, adorava o anoitecer, pois me deparava com várias luzinhas esverdeadas, e feliz da vida, dizia: “olha, os vagalumes!”
Eu e meus primos, corríamos atrás desses insetos iluminados dizendo: “vagalume vem, vem, seu pai tá aqui sua mãe também”. Com certeza, de alguma forma, muitos resgatarão de suas memórias cenas parecidas. Gostávamos de pegá-los e segurá-los em nossas mãos fechadas, para ver a luzinha passar entre os nossos dedos. Às vezes as luzinhas se apagavam, pois os vagalumes estavam “presos”, queriam o voo e a luz novamente.
Um dia minha mãe falou: “olha quantos vagalumes estão voando, iluminando a estrada de terra, iluminando a escuridão, pois estão livres, a natureza deles é voar e iluminar, eles não gostam de ficar presos. Fiquei por um bom tempo com essa frase ressoando em minha cabeça e nunca mais peguei um vagalume, aprendi apreciar o seu voo iluminado.
Ao fazer uma avaliação desses seis meses de isolamento social, senti-me como os vagalumes, estávamos em nossos voos iluminados, de repente, ficamos “presos”, as luzinhas passavam por algumas frestas, algumas luzes se apagaram. Ainda não sabemos exatamente o que irá acontecer. Sem dúvida, estamos vivendo um dia de cada vez, creio que mais conscientes, mais presentes em cada detalhe do nosso dia.
Em meio a essa realidade, resolvi resgatar meu voo iluminado, mas é claro, com os devidos cuidados, segundo os protocolos de segurança da Covid 19. Passei por Cunha-SP, Paraty e Trindade-RJ, sem dúvida, um convite ao deleite, um itinerário que privilegia a escuta da alma e a conexão com Deus.
Em um de seus textos, Martha Medeiros nos traz uma reflexão sobre “Quando Deus aparece” e nos diz: “Não sendo visível aos olhos, ele dá preferência à sensibilidade como via de acesso a nós. […] valorizo essas aparições como fossem a chegada de uma visita ilustre, que me dá sossego `a alma.” Ela prossegue com a pergunta: “Quando Deus aparece para você?”
Parei um instante e comecei a refletir, Deus aparece sempre no sorriso dos meus filhos, no olhar do meu marido, no encontro com minha mãe, com meus familiares, no café da tarde com minhas amigas, nas aulas com minhas alunas. Ele aparece nos livros, nas poesias, nas músicas. Deus está sempre presente, encontrei-o no lavandário em Cunha, ao perceber o perfume das lavandas no ar, ao descansar meus olhos no horizonte.
Em Trindade, tive um bate papo longo com Deus, entre o barulho do vai e vem das ondas, ao descansar e repousar o meu olhar e todo o meu corpo no horizonte azul que desponta a minha frente, unindo o céu e o mar, minha mente desperta e eu me deparo com a imensidão, com a grandeza do universo que nos acolhe, com as infinitas possibilidades, um momento de transcendência do ser, da compreensão que fazemos parte de um todo, uma rede de conexão que nos conecta a tudo e a todos. Estar junto a natureza e apreciar a sua beleza, faz com que a gente se sinta conectada com nossa essência, conectada com Deus. Já dizia Helena Kolody: “Rezam meus olhos quando contemplo a beleza. A beleza é a sombra de Deus no mundo.”
Rubem Alves tem a mesma opinião: “Deus nunca foi visto por ninguém. Ele se mostra na experiência da beleza.” O mesmo prossegue: “Deus é como o vento. Sentimos na pele quando ele passa, ouvimos a sua música nas folhas das árvores e o seu assobio nas gretas das portas. […] Deus é como um pássaro encantado que nunca se vê. Só se ouve o seu canto.” Quer ver, ouvir e sentir o cheiro de Deus? Veja a beleza do pôr do sol, entregue-se a beleza da música, respire fundo o cheiro do jasmim.
Deus também aparece no choro, na fragilidade, na vulnerabilidade, quando estamos com medo, inseguros, transformando cada dia num generoso campo de amor, compaixão, aprendizado, evolução, para que possamos expandir a possibilidade de ampliar e mudar nossas perspectivas e resgatar nossas possibilidades e desafios diante a vida.
A meditação, a oração, consistem em reservar um tempo para estarmos a sós com Deus, um tempo para apreciar a beleza, um tempo de escuta silenciosa, para unirmos o nosso coração ao coração do criador.
Finalizo o texto de hoje com a pergunta inicial: e para você, caro leitor, quando Deus aparece?
Namastê.
* Maristela Negri é professora; sócia-diretora do Centro de Longevidade e Atualização de Piracicaba (Clap); pós-graduada em Neurociências aplicadas a Longevidade (UFRJ); pós-graduada em Atividade Física e Qualidade de Vida (Unicampo), mestre em Educação Física (Unimep) e autora do livro “A rosa selvagem não é uma miragem”.