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Artigo – O envelhecer e a consciência da finitude na travessia do tempo

(21-06-2017) Por Maristela Negri – Sinto-me privilegiada por fazer parte de uma grande família de descendentes de imigrantes italianos e conviver com minha mãe e meus tios idosos. Também agradeço por trabalhar há 13 anos com pessoas acima de 50 anos. Por meio da minha família e das minhas alunas e meus alunos pude aprender, refletir e agregar valores para minha velhice. 
Foram essas pessoas que me fizeram ver e compreender o envelhecimento como um processo sem interrupção, dinâmico e passível de mudanças. A enxergar com a janela de minha mente o processo inexorável do viver/morrer.
Por que resolvi escrever sobre a consciência da finitude, a proximidade da morte, o fim da vida terrena, algo visto como tabu? Porque há um tempo meu tio caçula nos disse: “Se preparem, estamos todos com idade avançada, quando for um, os demais também irão”. Naquele momento, nós, os sobrinhos, ficamos tristes, pois a morte nos traz o medo, emoções negativas por se tratar de algo desconhecido, configurando-se como parte do destino humano. 
Mas, logo depois, sentimos na pele a realidade inexorável: aconteceu, em quatro anos, quatro tios. Agora, este ano, foram-se duas alunas. Sem dúvida, sofremos com a partida, ainda não estamos preparados. Por isso essa reflexão de hoje, para compreendermos que a morte é parte integrante da vida. 
Trago para ilustrar alguns depoimentos dos entrevistados da minha dissertação a respeito do envelhecer: “Envelhecer pra mim é uma coisa que parece que a gente vai chegando num ponto final, um caminho para o final, né! Um final, aí depende da interpretação de cada um, da parte espiritual, se é o fim da vida, o que é, conforme a crença da pessoa. O ateu pensa da forma como ele pensa, o cristão pensa da forma como ele pensa, então é isso aí que eu acho”.
Verificamos que o entrevistado além da consciência da proximidade da morte, leva em consideração e respeita a crença de cada indivíduo. A pesquisadora Ligia Py nos alerta ao considerar que o envelhecer e o morrer são experiências vitais singulares, próprias de cada ser. São reguladas por padrões socioculturais que definem o significado de cada uma dessas experiências humanas, levando em consideração determinada época e lugar da história da humanidade.
A percepção da proximidade da morte, aliada à experiência vivida ao longo dos anos, redimensiona as perspectivas dos tempos passados, presente e futuro, o que podemos constatar no discurso de outro entrevistado: “Envelhecer… você vai se desprendendo das coisas da terra, você vai pensando numa outra maneira de viver, mais fortalecido, mais reflexivo, o livro da vida já te ensinou muita coisa, né!” Confrontar o fim da vida pode dar um significado mais profundo para a vida como um todo, quanto melhor compreendermos a morte e quanto mais sabiamente a abordarmos, mais plenamente podemos viver até ela chegar.
Podemos encontrar uma importante reflexão nos estudos de Albom, que ao reencontrar vinte anos depois seu professor Morrie Schuwrtz nos últimos meses de vida de seu velho mestre, acometido de uma doença terminal, realizam encontros para tratarem de temas fundamentais da existência humana, dentre eles o envelhecimento e a morte. 
Acredito ser importante colocar neste momento um fragmento do diálogo estabelecido entre ambos sobre essas questões: — “Você nunca teve medo de envelhecer? – Mitch, eu acolho o envelhecimento. Envelhecer não é só decair fisicamente. É crescer. É mais do que o fato negativo de que se vai morrer, é também o fato positivo de que se compreende que se vai morrer e que se pode viver melhor por causa disso. […] Quem encontra um sentido para a vida não deseja voltar atrás. Deseja ir em frente. Quer ver mais, fazer mais. […] Quem passa o tempo batalhando contra o envelhecimento sempre será infeliz, porque o envelhecimento é inexorável. […] – Mitch, é impossível a um velho não invejar um jovem. Mas a questão é aceitar o que somos e gostar. […] – Precisamos descobrir o que existe de bom e verdadeiro e belo em cada fase de nossa vida. Olhar para trás estimula a competição. E idade não é assunto de competição”.
Constatamos no diálogo acima entre Albom e seu professor na iminência da morte que as pessoas que percebem o envelhecimento como algo negativo, como a antecâmara da morte, e não conseguem conviver com a ideia da finitude, entram com mais facilidade na espiral da falência social, levando-as mais facilmente aos estados de depressão e desesperança. Podemos verificar quão importante é a continuidade das realizações pessoais do idoso, de acordo com suas possibilidades, desenvolvendo seu projeto de vida, com condições de tomar suas próprias decisões, pois como nos diz a pesquisadora Diane Papalia, “as pessoas que pensam que sua vida foi significativa e que se adaptam às perdas podem ser mais capazes de enfrentar a morte”.
Para a mesma, as pessoas que se adaptam melhor são as que se mantêm ocupadas, assumem novos papéis ou tornam-se envolvidas em atividades correntes, pessoas que estão frequentemente com amigos e que podem contar com a família, com um grupo de apoio. 
É a negação da morte que é parcialmente responsável pelas vidas vazias e sem sentido das pessoas. Aquele que vive como se fosse para sempre acaba adiando as coisas que precisa fazer. Do outro lado, quando se compreende que cada dia que se vive pode ser o último, a pessoa utiliza o tempo daquele dia para crescer, para se tornar mais quem realmente é e para se aproximar dos outros seres humanos.
Portanto, é necessário que se viva com intensidade, para que não haja arrependimento no momento da morte, como nos mostra o poema Instantes de Nadine Stair: “Se eu pudesse viver novamente a minha vida/ na próxima trataria de cometer mais erros./ Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais./ Seria mais tolo ainda do que tenho sido,/ na verdade bem poucas coisas levaria a sério./ […] correria mais riscos,/ viajaria mais, contemplaria mais entardeceres,/ subiria mais montanhas, nadaria mais rios/ […]. Pois é, creio tratar-se de uma advertência para todos nós, só temos o momento, não percamos as oportunidades, o agora.
Como nos diz Schwartz ao seu aluno Albom, no livro A última Grande Lição: aprendam a viver, e saberão morrer. Aprendam a morrer, e saberão viver. Ao encarar a morte tudo muda, a pessoa descarta toda essa tralha e se concentra no que é essencial.
No entanto, é necessário que tenhamos consciência de que não existe um modo único de ver a morte em qualquer idade. A morte provavelmente não significa a mesma coisa para um homem de 85 anos sofrendo de artrite dolorosa, para um homem de 97 anos saudável, para uma mulher de 56 anos no auge de uma carreira bem sucedida acometida por um câncer e para um adolescente que morre de uma overdose. As mudanças nas atitudes perante a morte durante o ciclo de vida dependem tanto do desenvolvimento cognitivo como do momento normativo ou não normativo do evento.
Vale destacar, segundo a pesquisadora Goldstein, a espiritualidade e a religiosidade são umas das estratégias mais ricas e utilizadas pelos idosos frente ao aumento do senso de finitude ou proximidade da morte. A crença na transcendência traz conforto, sensação de geratividade, bem estar psicológico e a crença na continuidade do self, dimensões que aparecem como positivas na vida adulta madura e na velhice.
Maristela Negri é sócia-diretora do Centro de Longevidade e Atualização de Piracicaba (Clap), pós-graduada em Neurociências aplicadas a Longevidade – UFRJ e mestre em Educação Física da Unimep. E-mail: marismarrano@terra.com.br

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